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Hiperaldosteronismo primário: quem investigar e como fazer um screening adequado

3 fev

 

Hiperaldosteronismo primário é a principal causa de hipertensão secundária. Recentes estudos prospectivos mostram que pode corresponder a 10% de todos os hipertensos, embora esse número possa estar superestimado por um viés de seleção de centros especializados em HAS.

Hipocalemia só está presente em 9-37% dos pacientes, assim não se deve esperar esse achado para inciar a investigação

#Quem devo investigar?

– pacientes hipertensos estágios 2 e 3 ou com HAS resistente  a medicações

– HAS + hipocalemia espontânea ou induzida por diuréticos

– HAS com incidentaloma adrenal

# Como devo investigar?

– O exame laboratorial de screening é a relação aldosterona dividido por atividade plasmática de renina (APR). O screening é positivo quando essa relação é > 30. Alguns autores consideram como achado adicional que fortalece o diagnóstico a presença de aldosterona >15.

# O que devo fazer para que o exame de screening seja válido?

– Corrigir hipocalemia. A hipocalemia bloqueia a aldosterona levando a valores falsamente negativos de aldo/APR

– Como regra geral a maiora dos antihipertensivos (iECA, bloq AT1, diureticos) leva a relação falsamente baixa de aldo/APR porque desbloqueia a renina. Beta-bloqueadores levam a relação falsamente alta porque bloqueiam renina.

– Medicações que devem ser suspensas 4 semanas antes do screening: diuréticos, antagonistas da aldosterona

– Medicações que devem ser suspensas até 2 semanas antes: iECA, bloqueadores ATI, betabloqueadores e AINES

– Medicações antihipertensivas que podem ser mantidas: verapamil hidralazina, alfa bloqueadores

É importante ter bom senso na suspensão dessas medicações, assim se o paciente tem insuficiência cardíaca que precisa fazer uso de diuréticos o mais adequado é manter a medicação e fazer a relação aldo/APR assim mesmo. Uma vez que os diuréticos costumam liberar a APR e dar resultados falso-negativos se o resultado vier positivo (>30 ) já é mais que suficiente para confirmar o screening positivo.

Lembrar que isso é só screening. Há vários outros passos a serem feitos para confirmar o diagnóstico. Após screening positivo encaminhar a endocrinologista ou especialista em HAS.

Referência: Case detection, Diagnosis and Treatment of Patients with Primary Aldosteronism: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline

Amiodarona x Tireóide: o que o cardiologista precisa saber

19 jan

       

– A toxicidade tireodiana da amiodarona ocorre por sua molécula ser rica em iodo. Um único comprimido de 200mg de amiodarona tem 20x a quantidade de iodo de uma dieta americana típica

– É uma droga extremamente lipofílica: assim sua eliminação corporal tem meia vida de 100 dias

– Disfunção tireoidiana ocorre em 15-30% dos pacientes que usam a droga a depender de disfunção tireodiana prévia, dose utilizada.

– Achados habituais em pacientes com função tireoidiana normal após início de tratamento com amiodarona: aumento de T4 e T4L, redução de T3 e aumento de T3 reverso e leve aumento de TSH. Todos esses achados são atenuados com uso contínuo da droga. Em indivíduos que já tenham doença tireodiana é comum ocorrer hipotireoidismo em quem já tem doença de Hashimoto e hipertireoidismo naqueles que já tenham bócio multinodular ou Graves.

Hipotireoidismo

-como já comentado é esperado que haja uma leve alteração da função tireoidiana no início do tratamento, assim para o diagnóstico definitivo de hipotireoidismo é necessário que T4l baixo e TSH alto estejam persistentemente  alterados (além de 6 meses do início do tratamento)

– tratamento: habitual com levotiroxina sem necessidade de alterar a amiodarona

Hipertireoidismo:2 tipos de tireotoxicose induzida por amiodarona (AIT)

– AIT tipo I: aumento da síntese hormonal por presença de doença tireoidiana intrínseca prévia

– AIT tipo II: tireoidite destrutiva levando a liberação de hormônios tireoidianos pré formados

– Quadro clínico: pode ser mascarado pela atividade cronotrópica negativa da amiodarona. Deve ser suspeitado se houver retorno ou falta de controle da arritmia bem como piora de sintomas de insuficiência cardíaca

– Diagnóstico diferencial entre as duas formas: não é feito através da cintilografia de tireóide, porque uma vez que o paciente está em uso de amiodarona, as altas concentrações de iodo da droga vão competir com o I radioativo e isso atrapalha a captação do I radioativo alterando o resultado do exame ( como seria esperado em pacientes sem uso de amiodarona: aumento da captação na doença com aumento da produção e captação ausente na tireoidite destrutiva). Pode ser feito através do USG tireóide com doppler que vai mostrar aumento da vascularização nos casos de AIT tipo I e redução na AIT tipo II. Outro exame que pode auxiliar na distinção dos tipos são os auto- anticorpos tireoidianos: Anti TPO, TRAB que mais frequentemente são positivos na AIT tipo I já que se trata de uma produção aumentada numa glândula previamente doente.

– Tratamento:

  • AIT tipo I: drogas antirireoidianas (tionamidas) são usualmente eficazes geralmente em maiores doses. A manutenção do uso da amiodarona deve ser reavaliada e outras drogas antiarríitmicas devem ser preferidas se possível
  • AIT tipo II: glicocorticóides são o tratamento de escolha.

Análogo de hormônio tireoidiano para tratar dislipidemia

11 jan

                          

É conhecida a associação que existe entre função tireoidiana e dislipidemia, tanto assim que o hipotireoidismo é uma causa frequente de dislipidemia secundária à custa de hipercolesterolemia (aumento de LDL principalmente) . Durante muitos anos houve tentativas de desenvolver análogos de hormônios tireoidianos que tivessem efeitos benéficos, como na redução de lípides, mas que não carregassem consigo os potenciais efeitos maléficos do hipertireoidismo como osteoporose e tendência a arritmias.

Os efeitos benéficos em lípides são mediados por receptores de hormônios tireoidianos beta e os efeitos arritmogênicos são determinados pela ação de hormônios tireoidianos na musculatura cardíaca por meio de receptores alfa. Assim, foi desenvolvido um análogo de hormônio tireoidiano, o EPROTIROME, que têm afinidade 10X MAIOR PARA OS RECEPTORES BETA .

Estudo randomizado com duração de 12 semanas foi desenvolvido para avaliar a eficácia e segurança dessa droga em associação com terapêutica clássica para hipercolesterolemia (sinva 40 ou atorva 20) em pacientes que não tinham chegado no alvo de LDL apenas com uso de estatinas. Resultados:

– proporção de pacientes que atingiu LDL <100 após 12 semanas de estudo foi: 6% para estatina placebo versus 36%, 50% e 57% nos que usaram estatina + 25, 50 ou 100 mcg de eprotirome

– queda de Tg após 12 semanas de estudo foi: – 5 % para estatina placebo versus -16%, -16% e -36% nos que usaram estatina + 25, 50 ou 100 mcg de eprotirome

– queda de lipoproteína A/  Lp(a)  após 12 semanas de estudo foi: – 10 % para estatina placebo versus -27%, -32% e -43% nos que usaram estatina + 25, 50 ou 100 mcg de eprotirome

– não houve alteração de TSH e o T4l se manteve nos valores de referência com tendência a ficar no limite inferior

– não houve alteração de peso, FC, PAS ou PAD nem foi desenvolvida nenhuma alteração eletrocardiográfica

Resumindo:

– associação de eprotirome foi mais eficaz em reduzir LDL do que seria dobrar a dose da estatina que vinha em uso

– houve redução de dois paramêtros de risco cardiovascular: Tg e Lp(a) que sabidamente têm pobre resposta às estatinas

não houve efeitos colaterias cardíacos, ósseos ou na secreção hipofisaria de TSH

Referência : Ladenson PW, Kristensen JD, Ridgway EC, Olsson AG, Carlsson B, Klein I, Baxter JD, Angelin B. N Engl J Med. 2010 Mar 11;362(10):906-16.

Hemoglobina glicada no diagnóstico de Diabetes

21 dez

                

No último consenso da American Diabetes Association (ADA) -2010 a hemoglobina glicada (HbA1C) foi recomendada como mais um teste para firmar o diagóstico para o DM. Previamente o exame era utilizado apenas para acompanhamento principalmente por falta de padronização do método pelos diferentes laboratórios ao redor do mundo.Na nova diretriz  foi estabelecido que um valor > ou igual a 6,5% faz o diagnóstico de DM.

Vantagens:

– não requer jejum

– pode ser utilizado no lugar do GTT de 2h em pacientes com glicemia de jejum alterada

– pode estabelecer definitivamente o diagnóstico nos casos de paciente em situações críticas (IAM, Sepse, Pós operatório) em que é comum haver hiperglicemia e muitas vezes o paciente não saber ter o diagnóstico prévio de DM.

Desvantagens:

– pacientes com hemoglobinopatias, anemias ou outras condições que afetem o turnover das hemáceas não podem usar a HbA1C nem como diagóstico nem como acompanhamento

– em alguns grupos étnicos como negros é sabido que HbA1C superestima o diagnóstico e nos idosos pode subestimar  diagnóstico.

– não há correlação perfeita entre glicemia de jejum e HbA1C, mas também não há entre glicemia de jejum e glicemia 2h pós GTT e mesmo assim esses dois métodos já são consagrados no diagnóstico.

Resumindo: mais uma arma diagnóstica que, por prescindir do jejum, pode ajudar a detectar precocemente pacientes diabéticos (apenas 30% dos pctes com DM do Brasil sabem ter esse diagnóstico)

-HbA1C > ou igual a 6,5%: diagnóstico de DM

– HbA1C 5,7-6,4%: risco de diabetes ou pré-diabetes (semelhante a glicemia de jejum alterada ou intolerância à glicose)

Uso de estatinas: quais exames precisam realmente ser monitorizados

6 dez

Referência: Final Conclusion and recomendation of the National lipid Association Statin Safety Assesment Task Force American Journal of Cardiology

Transaminases

– < 1% dos pacientes em uso de estatinas apresentam elevação das transaminase acima de 3x

– nos casos que apresentam elevação > 3x a maiora é transitória e se resolve espontaneamente em 70% mesmo que a dose de estatina não seja mudada

– seria necessário monitorizar 1.000.000 pessoas/ ano por 3 anos para detectar 1.100 pacientes com elevação persistente das enzimas hepáticas e 1 paciente que poderia ter falência hepática, embora a relação causa-efeito entre uso de estatinas e injúria hepática nunca tenha sido incontestavelmente demonstrada. Assim, essa entidade NÃO encontra evidências para monitorização contínua das trasaminases, mas até que haja modificações das recomendações do FDA ainda se recomenda medir: antes do início do tratamento, 12 semanas após uso e após qualquer mudança de dose.

– pacientes com doença hepática crônica, doença hepática gordurosa não alcoólica ou estato-hepatite não alcoólica podem receber tratamento com estatinas

Creatinoquinase (CPK)

– miopatia (sintomas + CPK >10x valor normal) ocorre em 5 de 100.000 pacientes/ano e rabdomiólise em 1,6 de 100.000 pacientes/ano

– fatores que aumentam risco de miopatia: idade, baixo IMC, IRC, hipotireoidismo e abuso de álcool

– Recomendações:

  •  obter valores basais em pacientes de risco
  • NÃO é necessário monitorizar CPK rotineiramente em pacientes assintomáticos

O que fazer com os antidiabéticos orais quando o paciente começa a perder função renal?

29 nov

                                    

– Referência: Approach to the Patient with Type 2 Diabetes and Progressive Kidney Disease ER Seaquist and HN Ibraim J Clin Endocrinol Metab, july 2010

Essa é uma questão que sempre ocorre aos médicos que prestam assistência aos pacientes diabéticos tipo 2, uma vez que o DM é a principal causa de IRC nos EUA e provavelmente no Brasil se fosse realizado um inquérito epidemiológico adequado. Manter um bom controle glicêmico é importante nesses pacientes e já foi demonstrado redução da velocidade de perda de função renal com um bom controle. Daí a importância de saber como manejar as drogas hipoglicemiantes do paciente já que o arsenal terapêutico fica mais escasso à medida que o clearance de creatinina é reduzido.

– Cl Cr >60: todas as drogas podem ser mantidas

– Cl Cr 30-59:

  • suspender metformina.
  •  Suspender sulfoniluréias com exceção da glipizida que por ter metabolismo hepático pode ser utilizada até em estágios de IRC mais avançados.
  • Suspender bloqueadores da alfa- glucosidase (acarbose).
  • Suspender análogos do GLP-1.
  • Reduzir em 50% as doses de bloqueadores de DPP-4 (gliptinas: sitagliptina, vildagliptina).
  • A pioglitazona como tem metabolismo hepático pode ser mantida, no entanto pacientes com esse Clearance podem ter IC e retenção hídrica que são agravadas pela droga. (lembrar que a rosiglitazona saiu do mercado)

– Cl Cr <30: a maioria dos pacientes vai precisar de insulina embora ainda possam usar glipizida, gliptinas em doses corrigidas (25% da dose habitual) e pioglitazona como já comentado.